domingo, 4 de dezembro de 2011

Dia 04 de dezembro

Cheguei em Dallas, no Texas às 06h30 da manhã. Até então achava a viagem tranqüila e que iria suportar a tudo isso. Até a Luísa e o Ricardo que foram comigo no aeroporto, disseram que eu estava demasiadamente calma. E estava até pisar em solo americano. Quando sai do avião e realizei minha presença, eu - Letícia Akemi -, numa terra estrangeira, senti muito medo. Senti medo de não conseguir me comunicar. Medo de não achar o caminho porque as placas eram todas em outra língua. Medo de não me achar por estar tão perdida. Fui seguindo a multidão e passei por todas as etapas tranquilamente. Quando você pisa pela primeira vez num território americano, precisa passar pela imigração, alfândega, raio-x e apresentar os formulários. Precisa explicar para eles porque está querendo entrar no país deles, tão amado e idolatrado. Tudo isso pra ganhar um mero carimbo: ADMITTED.

Dali tive que pegar minha mala numa esteira para colocar em outra. O porquê não entendi até agora. Acho que era um teste de resistência do qual eu não passei. Tive que pedir ajuda para um homem pegar minha mala. Se a minha mãe ler isso, tenho certeza que vai pensar: eu falei que era coisa demais pra se levar, menina? 

De lá fui para o terraço do aeroporto, onde passava o “trem” que faz as ligações dos terminais. Tudo aqui é bem esclarecido e quando não é, tem alguém pra ajudar. Ou eu é quem estava com cara de perdida desesperada? Enfim, consegui achar meu caminho e sentei na maior paz de espírito. Eram ainda 8h30 da manhã e eu só precisava me apresentar às 09h40 no portão de embarque. Vou é tomar café da manhã.

Olhei uma loja, olhei para a outra. Numa nem preço tinha o cardápio de parede. E todos pareciam saber de cor o que queriam e quanto custava. A atendente mal ouvia as palavras do pedido e já saia gritando. E eu nem consegui entender o que era aquele pão. Era estilo um Subway, porém redondo. Tinha de turkey e eu não conseguia lembrar o que era mesmo isso. Era carneiro ou peru?? Sai fora. Procurei na lista dos restaurantes onde tinha algo conhecido: Mc Donalds.

Típico de americanos, comi um pão com ovos e bacon. O café era horrível. Voltei pro portão, embarquei e dali foi bem rápido. Poucos pensamentos. Estava muito ansiosa. Estava chegando. Finalmente. Encontraria fácil a pessoa que iria me buscar? Louise e Gabriela estariam lá? E a minha mala? Se perderia na viagem como a da Louise?? Enfim. A viagem custava a passar e eram apenas 2 horas que eu deveria aguardar. Pareceram anos. Era só nuvem, nuvem, nuvem. De repente vejo neve. Montanhas. Meu Deus! Cheguei em SLC e agora é pra valer: cheguei em minha futura cidade pelos próximos 100 dias. Cheguei ao meu destino onde farei o possível para me encontrar e ser feliz.

12h – Cheguei em SLC. David, quem foi me buscar, estava com uma placa em mãos. Sempre quis ver alguém a minha procura com uma placa. Só poderia ter sido com o nome certo, ao invés de Laticia. Mas ok (nos EUA eles dizem OK a cada 0,5 segundos). Aqui, ninguém consegue pronunciar o TÍCIA. Todos dizem: tíschia. Algo assim...Sei lá por que. Mas o LE  eles aprenderam, né David?

Fui conversando e tirando fotos o caminho todo. Queria saber da cidade onde iria morar: tem cinema, museu, teatro, shopping, supermercado? O que eles fazem a noite, como vamos trabalhar? Quem fundou a estação de ski, costuma nevar? Onde você mora, gosta daqui, já foi ao Brasil? Estava muito ansiosa, meu primeiro diálogo em inglês. Péssimo. Mas sei que vou melhorar.     

13h00 - Cheguei à Estação. Deslumbrante. É enorme, cheia de detalhes e toda requintada. Com lustres enormes do tamanho de uma mesa, avaliados em mais ou menos U$ 700 000,00. Segundo Andrew, um dos lustres era tão caro, tão precioso, que a empresa da Itália se recusou a trazer para os EUA aquela raridade caríssima. Ears, o dono e fundador do Snowbasin comprou a empresa dos lustres, trouxe o lustre para cá e vendeu a empresa logo após a sua aquisição audaciosa. A dúvida é: puro capricho ou determinação?

Snowbasin sediou um Olimpíada e parece ser bem legal. Cristian, o chefe principal é bem engraçado, mas o seu sotaque francês me confunde demais na pronuncia do inglês. São 3 restaurantes ao todo no parque e o meu serviço só começa na quinta-feira, dia 08 de dezembro.

Até lá terei que abrir uma conta bancária, conhecer a cidade, comprar o que falta. Preciso fazer meu check-in com o Sponsor, Security Card e uma tirar uma licença pra vender e tocar em bebidas alcoólicas. 

Uma coisa que aqui descobri é que os americanos seguem muito as regras. Seguem MESMO. Se você não tem 21 anos, não pode nem carregar a cerveja da geladeira para o expositor aos clientes. Se você assina um contrato, não há aquele jeitinho de depois remediar. Se o seu troco é de 1 centavo, eles vão te devolver. Se você não vai receber por hora extra, dando o horário do expediente as pessoas viram as costas e vão embora sem terminar o serviço. Aqui é assim e funciona.

Conheci todos os setores, esconderijos e locais de trabalho. Consegui a equipe que conta com brasileiros, filipinos e um menino turco. Os peruanos e argentinos estão por vir. Será uma miscelânea étnica absurda. Mas vai ser lindo conhecer a todos.

Aqui é engraçado porque apesar da bagunça de países o inglês é universal. Quando estamos num grupo maior, apesar da maioria ser brasileiro, nós conversamos em inglês. Isso por dois motivos: um para treinar e outro por educação, pois se falamos português tem um que não entende e pega mal. As únicas situações em que falamos português é para perguntar algo que não entendemos ou falar mal (xingar mesmo). A situação é bizarra: passa um menino que todos odeiam. A menina pergunta a idade dele e ele responde. No que ele segue o caminho, sem nem sumir da nossa vista, uma pessoa já comenta: que piá babaca. E ele nem sequer olha pra trás. Isso é que eu chamo de língua branca, a mais poderosa arma de todos os tempos. E é assim o dia todo. A pessoa está no nosso lado, sendo ela americana ou de outro país, as pessoas não estão nem ai. Falam mal da pessoa olhando pra ela. Eles riem e a vítima do assunto ainda ri junto. Não é um absurdo? Mas é uma vantagem, né?

De noite, nos flats, nos acomodamos e pedimos pizza. Tudo é barato quando se trata de bugiganga, fast food e itens de marca. Já vi uma caixa com 32 Kinder Ovo por U$ 16. Vi filmes em Blue-ray por U$4 (originais). Livros por U$ 9 (e best-sellers). Vi óculos de sol, roupas, tudo mais em conta. É absurdo. Um país altamente consumista onde as compras são supervalorizadas devido à desvalorização do preço. Não é que eles desvalorizem, é que eles não exaltam como nós.

Aqui não passamos frio quando estamos num ambiente fechado. Tudo é aquecido. Porém há árduas conseqüências: o ar é altamente seco. Uma devido ao fato de que trabalhamos no mais alto das montanhas. Outra é que quando não estamos em Snowbasin, estamos num ambiente onde o ar fica seco devido ao aquecedor. O nariz arde e de muitas pessoas sangra todos os dias. Segundo a Gabe, o sangue coagula e não escorre mais depois de um tempo. Eca! Para uma hipocondríaca que trouxe consigo uma semifarmácia, estou a beira da loucura por ter esquecido meu Sorine.

Quem tiver interesse em mandar cartas, moro na 2433 Adams Ave. Zip Code: 84401
Fica a dica de ver o site da Estação de Esqui e confirmar minhas verdades aqui ditas. 

Beijos, vou dormir. A diferença de horário deixou-me cansada (5 horas de diferença).


Dia 03 de dezembro, 20h05.

Chegamos ao aeroporto com tempo. Na hora de pesar a mala, aconteceu uma malandragem involuntária. Sem querer, apoiei uma das rodas da mala na parte metálica da esteira. No visor da balança dizia 25,05 kg. Na minha cabeça pensava que deveria ter abandonado o shampoo. A mala foi aceita dentro da margem da companhia (supostamente não pode ultrapassar 32kg) e dessa vez escapai ilesa. Mas na próxima não posso errar: Shampoo, você não vem comigo mais.

Entrei no avião na pressa, porque pra variar estava atrasada. Depois de ouvir um sermão de que não se pode chegar muito tempo depois do horário de embarque e umas coisas que não entendo direito sobre a pressa que as pessoas têm na vida, sentei na janelinha do avião. Ao invés de pipoca, ganhei batata chips. Mas o importante é que consegui embarcar. 

A priori, pensei comigo mesma: estou muito calma, né? Mas assim que olhei através da janela e vi aquela asa imensa da nave, pensei: reflexões, aqui vou eu.
Pensei no quão longe aquela viagem me levaria. Quantos quilômetros seriam até SLC? Pensei nas pessoas ali sentadas e no destino que elas estariam indo. Pensei nas pessoas que eu estava deixando para trás indo rumo ao meu destino. O voo até SP é rápido, são cerca de 45 minutos. Enfim, quando o avião ganhou velocidade na corrida e aos poucos saindo do chão para ganhar a leveza do ar como base, senti que estava realmente viajando. Estava realmente indo ficar 3 meses fora. Estava realmente sentindo saudades antecipadas de várias pessoas que amo profundamente. A despedida com meus pais foi serena, sem lágrimas. Nós japoneses somos dotados da capacidade de se manter sóbrios (exceto nos bares, claro) e sérios quando estamos nervosos. Sei que eles estão tristes, mas sei que vão ficar bem. 

Pensei em cada rosto dos quais sentirei imensa falta. Pensei nos sorrisos que dei ao olhar nos olhos de quem amo durante todo esse ano. Pensei e jurei: não vejo a hora de voltar, só pra continuar minha felicidade da forma como tenho vivenciado até hoje. A melhor possível e a mais plena que já assisti.

Já são 20h40 e vamos aterrissar. Além disso, a bateria está acabando. Ficarei até às 00h em SP esperando o próximo v0o para Dallas. Nesse voo serão 6 horas de muitas palavras.

No aeroporto de SP uma constatação: a Duty Free existe, é real e barato. Chocolate, mas muito chocolate por U$ 5,00. Ainda bem que não gosto de doces. Mas tudo é mais barato: perfumes, maquiagem, óculos etc. Só acho que deve valer a pena conferir em outros locais como são os preços antes de sair comprando.

00h00 – entrei no segundo voo, com destino a Dallas, no Texas.  

Primeiro contato com o EUA: O avião americano é muito maior. E a diferença não está apenas no tamanho. Dentro do AA minhas percepções e olhares estavam totalmente voltados aos meus sentimentos materiais. Ilusão através de revistas de vendas, distração com programas de TV americanos, enchimento dos olhos com tecnologia, comida e consumismo. Bebidas, TV individual por poltrona, controle remoto, vídeos, filmes, fone, coberta, travesseiro. Há divisão das classes, igual aos filmes. Mal tive tempo de pensar na viagem em si, para onde estava indo, por que estava indo. O que eles querem é seu conforto, descontração e dinheiro.

Viagem: A viagem é mais longa do que pensei. Serão 8250 km em 9h horas. Nesse exato momento (02h40, segundo Brasília) já voamos 1750 km e estou passando por Cuiabá. A altitude é de 9753m a uma velocidade de 913 e temperatura do ambiente externo -36°. Em SLC a diferença de fuso é de -4 horas. E boatos que lá está nevando.
Burocracia: Estou me batendo horrores pra preencher uns documentos americanos. Até fiz amizade com um casal porque nós estamos bem perdidos. Já estou no meu segundo formulário e errei de novo. Quem um dia vier, que leia com antecedência o I 94 e entenda certinho cada item.

No mais tudo ok. Meu corpo dói, tudo é apertado, sem espaço (e olha que sou minúscula). Vou tentar dormir. Estou bem cansada. 

Resenha de uma viagem

De que vale a viagem sem as devidas lembranças? Sejam por fotos, pensamentos, paladares ou olhares é preciso fazer registro de tudo o que vivenciamos para posteriormente recordarmos com saudades dos bons e (talvez) dos ruins momentos. Dos aprendizados sobre erros cometidos e principalmente das alegrias de cada instante que um dia foram o presente das nossas vidas.

Registrarei aqui todas as minhas sensações e percepções acerca da minha viagem. Será por um breve período, mas será uma longa jornada. Prometo fazer o maior número possível de relatos. Mas não garanto brevidade em minhas histórias. Além de tagarela, sou prolixa na escrita.